Monday, September 25, 2006

MONÓLOGO DE ORFEU

Orfeu (sorrindo):


Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
E' mais porque te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, - que é que eu sei! essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem - nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa fôrça, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! criatura! quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que êle, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!



Reproduzido do livro 'Orfeu da Conceição', Livraria S. José, Rio, 1960.

O R F E U -Ao que tudo indica, Orfeu foi um poeta trácio de grande habilidade musical e um místico de grande carisma, mas cujos traços históricos estão para nós completamente perdidos, a não ser pelas lendas e mitos que nos chegaram a seu respeito, transformando-o num semideus.
Já no século VI a. C. o poeta Ibico falava de "Orfeu de nome famoso", testemunhando a grande notoriedade que Orfeu usufruia em toda a cultura helênica, e que só se explica pela existência de um fundador carismático e pela difusão do seu movimento religioso.
Eurípedes, Platão, Heródoto, Aristófanes e Aristóteles nos deixaram escritos sobre o orfismo, e sabemos o quanto Platão deve aos mistérios órficos em sua filosofia, especialmente no que concerne à doutrina da reencarnação.
É bem provável que o homem Orfeu tenha tido uma forte influência mística na cultura grega no início do século VI a.C.

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Por falar em Orfeu, é de não perder-se de jeito nenhum, a entevista inventada, criada, pelo autor do blog A Voz que nos trai, que é também Poeta.

Monday, September 18, 2006

HAMLET

Hamlet
Hamlet é uma das peças de teatro mais famosas de Shakespeare (1564 - 1616). Foi escrita entre 1600 e 1602 e impressa em 1603


SETE CAMINHOS PARA ENTENDER UM CLÁSSICO:

1) Por que Hamlet tornou-se um clássico?

Tornam-se "clássicas" (no sentido de lembradas, lidas sempre de novo) as obras que criam um modo novo de expressar alguma dimensão da existência. Hamlet traz à superfície algo que, até então, permanecera oculto, vago e, nesse sentido, não existia verdadeiramente. Com Hamlet, sentimos quantas coisas na vida real são encenação. Ele é uma figura que torna plausível as incongruências e verossímeis as loucuras. (Kathrin Rosenfield, prof. da UFRGS)

2) Qual a importância de Hamlet dentro da obra de Shakespeare?

Hamlet está entre as obras que marcaram uma reviravolta na arte de Shakespeare - provavelmente há uma relação com a experiência da morte (Shakespeare perdeu um filho pequeno chamado Hamnet). O que observamos nessa peça é uma forma de narrar que aprofunda prodigiosamente o lado enigmático da natureza humana. Pela primeira vez, temos aí uma técnica da escritura que capta as inúmeras facetas da ambivalência, os sentimentos e gestos contraditórios, tudo aquilo que não sabemos e não dominamos na existência. (Kathrin Rosenfield)

3) Qual o sentido do dilema "ser ou não ser"?

A fórmula de Hamlet refere-se, num primeiro momento, à idéia do suicídio e a um sentimento de fracasso e impotência diante de um mundo fora dos eixos. No entanto, na peça ela remete também à ambigüidade da (auto)encenação e da vida concebida como encenação. O Renascimento criou a consciência do homem dando-se sua própria forma. Nisso, há um lado de liberação. A mesma liberdade tem um avesso: a autonomia moderna suscita o medo de perder-se nas inúmeras formas ficcionais. A consciência da encenação termina por ser inquietante, ela nos dá, às vezes, a sensação de desamparo e abandono. (Kathrin Rosenfield)

4) Por que Hamlet não perde a atualidade?

Porque trata de assuntos que permanecem atuais, como a questão da morte. Nenhum outro texto até hoje expressou tão profundamente a angústia do ser humano em relação à morte, que é uma angústia eterna. Além da trama metafísica, Hamlet traz as tramas política e familiar, que também permanecem atuais. (Jorge Furtado, cineasta)

5) Qual a melhor adaptação de Hamlet para o cinema?

A do inglês Laurence Olivier, de 1948. Além de dirigir, Olivier teve uma ótima atuação no papel-título do filme. Conseguiu melhor que ninguém colocar o fluxo de consciência de Hamlet no cinema, dividindo as falas e pensamentos em partes faladas diretamente pelo personagem e partes narradas em off. (Jorge Furtado)

6) O que se espera de um ator que vai interpretar Hamlet?

A compreensão da totalidade e da complexidade da obra, que até hoje permanece atual e que criou novas perspectivas para a dramaturgia. É um desafio enorme porque o ator deve entender as sutilezas que Shakespeare usou no texto. (Sérgio Silva, cineasta e professor da UFRGS)

7) Por que devo ler Hamlet?

É o texto fundamental da história do teatro. Por ser longo e rico em detalhes, Hamlet ultrapassa os limites teatrais e se transforma em uma obra que aborda também a filosofia, a política e a história. (Sérgio Silva)



Hamlet
"Com Hamlet, sentimos quantas coisas na vida real são encenação. Ele é uma figura que torna plausível as incongruências e verossímeis as loucuras" Kathrin Rosenfield